sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Mutualidade (Ou: Amar é voar com asas de pássaro atadas)

E o sol nasceu de novo, ainda que ele não confiasse mais no alvorecer...
Amigos mais não tinha; tampouco a namorada que o amara a tempos (ainda na época em que ele tinha confiança nele e nos outros). O medo de perder fê-lo perder tudo: Respeito, confiança, amigos, namorada, amor-próprio, TUDO!
O dia, inerte e maculado, ascendia sua inconteste loucura:
- O que será que meu espelho quer dizer com isso, ao mostrar-me minha barriga? Estarei gordo? Estarei magro? Estarei aqui, ainda? E essas rugas? Esses cabelos brancos? Esse maldito espelho quer tão-somente me sacanear! - disse ele, entredentes...
Desconfiado do espelho, amaldiçoando-o, resolveu se vestir para caminhar na praça ("O tempo passa mais rápido quando vemos infelizes crédulos que nos outros confiam" - dizia sempre, zombeteiro): Pessoas riam ("com certeza zombam de mim", pensava ensandecido enquanto seu rosto tornava-se mais ameaçador), namorados passeavam de mãos dadas ("ele é corno, com certeza", falava baixinho enquanto ironicamente e disfarçadamente sorria). ELA passeava com o cachorro ("pobre do cachorro, não sabe ele que a mão que afaga é a mesma que apedreja", pensou ele com saudades dela e com ciúmes do cachorro...).
A lua saiu, maravilhosamente bela e cheia, ainda que ele não acreditasse mais nem em maravilhas nem em belezas... Tampouco no efeito que a lua causava nas pessoas (Ele, inclusive, já havia admirado muito a lua ao lado dela, em priscas eras...)
A madrugada chegou, com todos os seus fantasmas: Amargos, como ele se tornara. Ranzinzas, como ele se tornara. Sufocantes, como ele se tornara...
O tempo passava e ele desconstruia sua sensatez a cada instante, a cada nova desconfiança contínua.
Até que, num aparentemente e comum dia como todos os outros, a campainha tocou.
-Quem é? - Perguntou ele, sem confiar que respondessem.
-Sou eu! Quero falar contigo!
"IMPOSSÍVEL" - Pensou ele. "O que ELA quer comigo!?"
-Vai abrir, ou volto mais tarde? - ELA disse, com voz firme.
E abriu o portão, de cabeça baixa...
- O que você fez consigo? O que o mundo fez consigo? O que EU fiz consigo? Você se tornou um egoísta egocêntrico, a quem um dia amei antes de sê-lo- Disse ela, sem conseguir disfarçar a irritação.
- Eu...
- CALE A BOCA, QUEM FALA SOU EU!!!! Disse ela, enquanto as lágrimas rolavam pelo seu rosto, antes de dar-lhe um beijo e ir embora.
E ele correu, correu até cansar. Mas não a alcançou.
E dormiu, acompanhado pelos mesmos pesadelos cotidianos: Perseguições, traições, medos, sombras, dor e ódio.
Acorda suado, sem saber que diabé que estava acontecendo. Percebe que tudo fora um sonho. Da mesma estirpe de sonhos reais que levou-o a sonhar com ela, mesmo antes de conhecê-la...
Ao lado dele, já acordada, ELA olhava pra ele sorrindo.
E lhe pergunta, novamente:
-Amor, você confia em mim?! Posso sair com minhas amigas, hoje?
E ele responde:
- Até o fogo
(que arde potente)
vira um grande enevoado
caso seja levemente abafado.
Deixar livres a quem amamos
é a melhor forma de saber
que também amam a gente:
Pois quem ama
sempre retorna
(e é essa minha maior vitória:
pois sempre retornas contente).

E ela disse:
-Vamos comigo?!

E, depois dele dizer que não poderia ir por não querer invadir o espaço dela, fizeram amor como nunca haviam feito antes: Com total cumplicidade, companheirismo, confiança e mutualidade...




João Bosco De Oliveira

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