Em meio ao alvorecer, ensimesmado e cabisbaixo, sem saber se ia ou se vinha, atravessava desatenciosamente a avenida. Carros desviavam milimetricamente de seu corpo, que seguia desatenciosamente rumo a lugar algum.
A desconexão da realidade era visível: Olhos frios, rosto tranqüilo, nenhuma expressão de dor quando o inocente fusca branco o atropelou...
Como de costume, curiosos aglomeram-se para participar do sofrimento alheio. De praxe, no meio dos curiosos, sempre aparece alguém que (por culpa ou necessidade de demonstrar solidariedade) ajuda ao pobre desconhecido.
-Afastem-se! Deixem-no respirar! - Diz a boa e solidária alma, enquanto procurava (em vão) por documentos nos bolsos da calça do atropelado.
- Como é seu nome? Onde você mora? Alguém chame uma ambulância! - Vocifera o solidário ser, fazendo expressão de pesar para a câmera do programa policial que acabara de chegar.
-Ele morreu? - Pergunta uma senhora, enquanto afastava seu poodle de perto da poça de sangue.
-Ainda não. - Responde a boa e solícita alma que o ajudava.
-Será que demora muito? Vamos entrar ao vivo e seria interessante mostrar o último suspiro. - Resmunga a repórter, como que anestesiada de emoções, após tantas coberturas jornalísticas para programas policiais.
Então, como que despertado pela gélida voz da repórter, o desconhecido diz:
-Ainda que meu corpo sobreviva, não posso chamar de vida o simples fato de respirar. Quando minhas esperanças por um mundo melhor deram lugar ao pragmatismo do dia-a-dia, minha'lma morreu...
Nesse instante, a multidão calou-se. Ouvia-se tão somente a sirene da ambulância que chegava e a repórter que gritava:
- Puta merda! Esse sacana morreu e eu nem gravei a entrevista!!!
João Bosco De Oliveira.
domingo, 9 de março de 2008
Pragmatismo
04:05
João Bosco De Oliveira
1 comment
1 comentários:
Porra Bosco!! Muito massa!!
Se garantiu mesmo.
Abraço e continua escrevendo, hein!?
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